Um balanço das operações de combate ao crack na cidade do Rio de Janeiro mostra que cerca de 17% dos usuários recolhidos pela prefeitura nos últimos sete meses são crianças e adolescentes. Desde março deste ano, a SMAS (Secretaria Municipal de Assistência Social) recolheu, ao todo, 2.016 pessoas. Desse total, 348 são menores de idade que desperdiçam a juventude na dura realidade das cracolândias.
Só nas favelas de Manguinhos e do Jacarezinho, na zona norte, a secretaria recolheu 157 crianças e adolescentes nas 12 operações realizadas neste ano. Nos bairros da zona sul e da região central do Rio, 144 menores foram encontrados fumando crack livremente.
O psicólogo Claudio Reis, que coordena as operações de recolhimento da SMAS, diz que o perfil dos usuários varia de acordo com a área da cracolândia.
- Em geral, as pessoas que consomem crack em Manguinhos e no Jacarezinho são antigos moradores das duas comunidades. Por algum motivo, eles não podem voltar para as favelas e fumam crack no entorno. Já na zona sul e no centro, a maioria dos usuários são moradores dos municípios da Baixada Fluminense, como Belford Roxo, Duque de Caxias e Nova Iguaçu.
Internação obrigatória
Reis explica que os menores identificados com alto grau de dependência química são conduzidos para uma das quatro unidades de tratamento obrigatório. Desde maio passado, a Prefeitura do Rio internou, de modo compulsório, 97 crianças e adolescentes.
A princípio, o menor de idade fica 45 dias internado. Entretanto, segundo a secretaria, pode passar até oito meses sob tratamento obrigatório, se o caso for considerado grave. O programa é alvo de críticas de representantes de entidades de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes que afirmam que o projeto fere o direito de ir e vir garantido pela Constituição.
Apesar da polêmica em torno do programa, Reis diz que a internação compulsória é um dos melhores caminhos para tratar os menores de idade viciados em crack.
- É muito triste ver crianças de cinco, seis anos vagando pelas ruas entorpecidas pelo crack. Temos que zelar pela vida dessas crianças.
Fonte: R7.COM
Saúde Mental
quinta-feira, 6 de outubro de 2011
Síndrome de Wernicke-Korsakoff
A síndrome de Korsakov (ou Korsakoff) é uma neuropatologia associada à carência de Vitamina B1 (tiamina), traumas cranianos, encefalite herpética, intoxicação pelo monóxido de carbono e indiretamente mas muito comumente ao alcoolismo agudo, pois o álcool prejudica a capacidade do organismo de absorver a Vitamina B1. Essa vitamina está associada à transformação do ácido pirúvico, que por sua vez realiza transformações bioquímicas de proteínas, gorduras e especialmente hidratos de carbono, sendo que em sua ausência as células nervosas são as mais afetadas.
Os sintomas da Síndrome de Korsakov são a amnésia anterógrada, amnésia retrógrada e muito comumente a confabulação e uma desorientação temporoespacial. Acompanham esses sintomas uma severa apatia e desinteresse por parte do doente, que muitas vezes não é capaz de ter consciência de sua condição.
A amnésia anterógrada está relacionada com o comprometimento da memória de curto prazo, ou seja, o doente se torna incapaz de formar novas memórias a partir do momento em que desenvolve a doença, e a amnésia retrógrada está relacionada à memória de longo prazo, assim o doente perde grande parte da memória que havia se formado antes da doença. É baseado nessa severa condição que o neurologista Oliver Sacks (em "O homem que confundiu sua mulher com um chapéu") relaciona a síndrome de Korsakov à perda da identidade, pois vítima de uma amnésia retro-anterógrada o doente perde por inteiro sua linha biográfica, sua história, e permanece incapaz de construir outra, sendo obrigado a viver como uma pessoa sem história de vida. Essa linha seria fundamental para a formação do senso de identidade na consciência.
Como conseqüência desse severo quadro é que ocorre a confabulação, que seria uma tentativa do doente de preencher suas lacunas mnemônicas com imaginações e ficções aparentemente verossímeis, nas quais ele próprio poderia acreditar. Outra conseqüência seria a desorientação temporoespacial, claramente causada pela incapacidade da pessoa de marcar sua existência no tempo.
O tálamo tem a função de integrar as várias percepções sensoriais. No hipocampo ocorre a triagem ou classificação dessas percepções para uma devida organização do armazenamento no córtex. Os corpos mamilares, o fórnix e o cíngulo têm a função de reforçar os traços mnemônicos, criando facilitações sinápticas e duplicando as memórias em outras regiões do córtex. Pode-se entender essa função como a de transformar a memória imediata (consciente, logo após o fato ocorrido) em permanente.
Os sintomas da Síndrome de Korsakov são a amnésia anterógrada, amnésia retrógrada e muito comumente a confabulação e uma desorientação temporoespacial. Acompanham esses sintomas uma severa apatia e desinteresse por parte do doente, que muitas vezes não é capaz de ter consciência de sua condição.
A amnésia anterógrada está relacionada com o comprometimento da memória de curto prazo, ou seja, o doente se torna incapaz de formar novas memórias a partir do momento em que desenvolve a doença, e a amnésia retrógrada está relacionada à memória de longo prazo, assim o doente perde grande parte da memória que havia se formado antes da doença. É baseado nessa severa condição que o neurologista Oliver Sacks (em "O homem que confundiu sua mulher com um chapéu") relaciona a síndrome de Korsakov à perda da identidade, pois vítima de uma amnésia retro-anterógrada o doente perde por inteiro sua linha biográfica, sua história, e permanece incapaz de construir outra, sendo obrigado a viver como uma pessoa sem história de vida. Essa linha seria fundamental para a formação do senso de identidade na consciência.
Como conseqüência desse severo quadro é que ocorre a confabulação, que seria uma tentativa do doente de preencher suas lacunas mnemônicas com imaginações e ficções aparentemente verossímeis, nas quais ele próprio poderia acreditar. Outra conseqüência seria a desorientação temporoespacial, claramente causada pela incapacidade da pessoa de marcar sua existência no tempo.
Estruturas relacionadas à memória
A memória é função do sistema límbico e se compreende no seguinte circuito: O circuito se inicia em sua face aferente, em que os estímulos percebidos pelo organismo alcançam o tálamo e seguem até o córtex cerebral. Nas regiões de associação neocorticais (no córtex) ocorre o armazenamento da memória, que quando evocada passa à sua porção eferente, envolvendo áreas conscientes e funções motoras.O tálamo tem a função de integrar as várias percepções sensoriais. No hipocampo ocorre a triagem ou classificação dessas percepções para uma devida organização do armazenamento no córtex. Os corpos mamilares, o fórnix e o cíngulo têm a função de reforçar os traços mnemônicos, criando facilitações sinápticas e duplicando as memórias em outras regiões do córtex. Pode-se entender essa função como a de transformar a memória imediata (consciente, logo após o fato ocorrido) em permanente.
O que ocorre na Síndrome de Korsakoff
A síndrome de Korsakoff é atribuída a uma lesão no diencéfalo, especificamente no núcleo dorsomedial do tálamo e nos corpos mamilares, que, como vistos, são essenciais na construção da memória, o que causaria a amnésia anterógrada. Para agravar esse quadro ocorre também atrofia cortical generalizada, afetando especialmente o lobo frontal e temporal. Essa lesão no córtex cerebral seria a responsável pela amnésia retrógrada e até mesmo uma complicação à já existente questão da identidade, sendo que o lobo frontal tem enorme importância na formação da personalidade e na integração de inúmeras informações corticais.
Fontes:
- DALGALARRONDO, Paulo. A memória e suas alterações. In:___. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed, 2000. Cap. 15, p. 91-99.
- CABRAL, R. J. Para compreender a psicopatologia geral. Belo Horizonte: Santa Edwiges, S.D.
- YUDOFSKY, Stuart C.; HALES, Robert. E. Aspectos neuropisiquiátricos da memória e amnésia. In:___. Compêndio de Neuropsiquiatria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. Cap.13, p. 201-212.
- ROCA, M. P. Características del síndrome de Korsakov. Mèdica de Tarragona. Barcelona, 2004. Disponível on-line: Acesso em: 23 mar. 2006.
Delirium tremens
O delirium tremens é uma psicose causada pela abstinência ou suspensão do uso de drogas ou medicamentos freqüentemente associada ao alcoolismo mas que também pode se apresentar com o uso prolongado ou abusivo de benzodiazepínicos ou barbitúricos. Assim, é uma forma mais intensa e complicada da abstinência. Delirium é um diagnóstico inespecífico em psiquiatria que designa estado de confusão mental: a pessoa não sabe onde está, em que dia está, não consegue prestar atenção em nada, tem um comportamento desorganizado, sua fala é desorganizada ou ininteligível, a noite pode ficar mais agitado do que de dia. A abstinência e várias outras condições médicas não relacionadas ao alcoolismo podem causar esse problema. Como dentro do estado de delirium da abstinência alcoólica são comuns os tremores intensos ou mesmo convulsão, o nome ficou como Delirium Tremens. Resumidamente, Dorsch e col. (2001, p. 233) apresentam o delirium tremens como um estado extremo de embriaguez com ilusões dos sentidos e agitação motora até a fúria provocada pelo abuso de álcool. Um traço comum no delírio tremens, mas nem sempre presente são as alucinações tácteis e visuais em que o paciente "vê" insectos ou animais asquerosos próximos ou pelo seu corpo. Esse tipo de alucinação pode levar o paciente a um estado de agitação violenta para tentar livrar-se dos animais que o atacam. Pode ocorrer também uma forma de alucinação induzida, por exemplo, o entrevistador pergunta ao paciente se está vendo as formigas andando em cima da mesa sem que nada exista e o paciente passa a ver os insetos sugeridos. O Delirium Tremens é uma condição potencialmente fatal, principalmente nos dias quentes e nos pacientes debilitados. A fatalidade quando ocorre é devida ao desequilíbrio hidro-eletrolítico do corpo.
fonte:http://www.mildagarrido.hpg.ig.com.br/deli.htm
fonte:http://www.mildagarrido.hpg.ig.com.br/deli.htm
sexta-feira, 22 de abril de 2011
Oxi: A Nova Droga
Não bastasse o efeito devastador do uso do crack, que tem se espalhado pelas regiões sul e sudeste do Brasil, uma nova droga foi descoberta recentemente no estado do Acre, fronteira com a Bolívia. Possivelmente uma das mais potentes e perigosas drogas conhecidas, o oxi ou oxidado, como é conhecido pelos seus usuários, é uma variante do crack. A diferença é que, na elaboração, ao invés de se acrescentar bicarbonato e amoníaco ao cloridatro de cocaína, como é o caso do crack, adiciona-se querosene e cal virgem para obter o oxi. “A gente tinha idéia de que havia essa droga, mas nenhuma estudo científico comprovava”, conta Álvaro Ramos, presidente da ONG Rede Acreana de Redução de Danos – Reard.

Durante 2003 e 2004, a Reard pesquisou 75 casos de usuários de drogas provenientes do refugo – ou resto – da produção de cocaína boliviana. O foco do estudo, em princípio, era acompanhar o uso de mescla ou merla, droga amplamente usada nas cidades acreanas, e a vulnerabilidade dos usuários à Aids e demais doenças sexualmente transmissíveis. A mescla é uma espécie de “tia” mais rudimentar do crack, produzida a partir do refugo da cocaína, mais alguns produtos químicos como cal, querosene, acetona, solução de bateria elétrica etc. “Depende do traficante e de que produtos ele tem à mão”, diz Álvaro Mendes.
O projeto, financiado pelo Centro de Controle de Doenças dos EUA, acabou se deparando com uma dura realidade: nas cidades fronteiriças, o oxi substituiu a mescla, com efeitos muito mais nocivos.
Foi nessas duas cidades fronteiriças que a equipe da ONG realizou sua pesquisa, acompanhando viciados em oxi. Não sem dificuldade: “Os usuários costumam se esconder, tivemos que procurar muito, e ganhar a confiança deles”, conta Rodrigo Correia, um dos pesquisadores que a campo realizar o trabalho. E viu a realidade dos bairros onde a droga se alastra. “Bairros bem desprovidos, as pessoas eram bem pobres mesmo. As casas eram de madeira, a maioria na beira dos rios, sem saneamento básico, sem água, sem as mínimas condições de higiene. Eu entrevistei pessoas de 18 a 35 anos, que já usavam o oxi há algum tempo. Todos, sem exceção, estavam desempregados”. Ou então trabalhavam em bicos, o que pode trazer uma renda de até 2 salários mínimos (600 reais). Dentre os entrevistados, 62,5% tinham filhos, mas só 20% viviam com a família.
Vendido em pedras –que podem ser mais amareladas ou mais brancas, dependendo da quantidade de querosene ou cal virgem, respectivamente– o grande apelo do oxi é justamente o seu preço: enquanto a mescla custa de 5 a 10 reais uma trouxinha que serve 3 cigarros, o oxi é vendido de 2 a 5 reais por 5 pedras. “É uma droga popular, inegavelmente, mas dependendo do período o preço aumenta: se é época de chuva, se a polícia intensifica mais a vigilância”, explica Álvaro. Além dos problemas sociais que claramente empurram esses jovens para o uso da droga, a proximidade com o comércio ilegal também abre as portas. Segundo Rodrigo Correia, muitos dos seus entrevistados trabalhavam ou haviam trabalhado como “mulas”, atravessando a fronteira portando a droga, ou vendedores. “Muitos deles sofrem a influência de amigos que consomem ou estão envolvidos com o tráfico. Mas a maior questão do oxi é que ela é uma droga mais rápida, causa um efeito mais forte, e é a única coisa que vem para eles, eles não têm opção”.
O uso do álcool é quase indispensável, segundo apuraram os pesquisadores da Reard, por causa de uma característica do oxi, a chamada “fissura”. Rodrigo explica o que ouviu dos seus entrevistados: “No começo eles sentem uma sensação de euforia, de ânimo. Depois vem o medo, a mania de perseguição, a paranóia”. A droga só dá “barato” no momento em que está sendo consumida, e cada pedra dura cerca de 15 minutos. Para perpetuar o barato, o álcool serve de alívio entre uma pipada e outra, num ritual que se alonga por mais de 6 horas, geralmente à noite.
Para conseguir mais droga e calar a “fissura”, é comum que os usuários se entregarem a pequenos roubos e à prostituição, o que os torna mais vulneráveis à AIDS e demais doenças sexualmente transmissíveis, ainda mais porque, sem atenção do poder público, o conhecimento sobre sexo seguro é muito pouco entre essa população. “A gente viu na pesquisa que tanto o início do uso da droga quanto início da vida sexual acontece dos 9 aos 14 anos de idade, um dado que alarmou a gente”, conta Álvaro Mendes.
Outro motivo que leva ao adoecimento e até à morte é a própria “paranóia”, que os faz evitar procurar ajuda. Rodrigo conta que o chocou o caso de um jovem de 18 anos que tinha pavor de ir ao hospital e se negava a ser medicado, embora tivesse um ferimento exposto. “Toda vez que ele entrava num hospital, se não segurassem, ele fugia. Ele mesmo se medicava. A gente via que ele estava se acabando mesmo. Magro, com aspecto físico terrível, a questão da higiene pessoal não existia mais, parecia um espectro. Aliás, essa é uma maneira de conhecer quem usa a droga há muito tempo, se olhar com cuidado: parece um espectro”.
A polícia não age de maneira diferente. O relatório deixa bem claro que, nas cidades fronteiriças, os usuários são muito mais perseguidos e sofrem uma repressão muito maior do que na capital do Acre, Rio Branco. “Em alguns lugares eles não podiam permanecer na rua até certa hora porque a polícia dava toque de recolher. Chegavam e os mandavam embora. Se não fossem, eram presos, o que é um absurdo, porque não se pode impedir ninguém de ficar numa via pública”, denuncia Rodrigo. A equipe relatou a situação às autoridades da cidade de Epitaciolândia, que se prontificaram a dizer que resolveriam a situação, pois apenas alguns membros da força policial tinham esse “hábito”.
No próximo dia 24, a Reard vai se reunir com gestores do estado do Acre, representantes do Ministério da Saúde e gestores se saúde do Peru e da Bolívia. E, para dar continuidade ao trabalho, no próximo semestre a ONG vai encabeçar uma pesquisa específica com os usuários de oxi. “Há muita coisa que a gente ainda não sabe, como qual é a causa biológica das mortes pelo oxi e que outras substâncias são usadas no preparo”, diz Álvaro Mendes.
Durante 2003 e 2004, a Reard pesquisou 75 casos de usuários de drogas provenientes do refugo – ou resto – da produção de cocaína boliviana. O foco do estudo, em princípio, era acompanhar o uso de mescla ou merla, droga amplamente usada nas cidades acreanas, e a vulnerabilidade dos usuários à Aids e demais doenças sexualmente transmissíveis. A mescla é uma espécie de “tia” mais rudimentar do crack, produzida a partir do refugo da cocaína, mais alguns produtos químicos como cal, querosene, acetona, solução de bateria elétrica etc. “Depende do traficante e de que produtos ele tem à mão”, diz Álvaro Mendes.
O projeto, financiado pelo Centro de Controle de Doenças dos EUA, acabou se deparando com uma dura realidade: nas cidades fronteiriças, o oxi substituiu a mescla, com efeitos muito mais nocivos.
As cidades do oxi
Brasiléia e Epitaciolândia são cidades conhecidas de qualquer um que estude o tráfico de cocaína vindo da Bolívia para o Brasil. Cidades pobres, cercadas de periferias principalmente às margens dos rios, onde os habitantes moram em casas de madeiras sobre palafitas, elas ficam à distância de um leito d´água da cidade de Cobija, ao norte do país andino. A rota mais comum usada para a produção de cocaína, oxi e mescla, segundo os entrevistados da Reard, é a partir do Peru para a Bolívia pelo lado brasileiro, onde a estrada é melhor, para na amazônia boliviana ser transformada em cocaína, crack e mescla. Depois, ela volta ao Brasil. “O rio que separa os dois países é alagadiço, enche quando é período de chuvas e quando não chove fica raso, dá para atravessar andando. Isso facilita muito o tráfico”, explica Álvaro Augusto Andrade Mendes.Foi nessas duas cidades fronteiriças que a equipe da ONG realizou sua pesquisa, acompanhando viciados em oxi. Não sem dificuldade: “Os usuários costumam se esconder, tivemos que procurar muito, e ganhar a confiança deles”, conta Rodrigo Correia, um dos pesquisadores que a campo realizar o trabalho. E viu a realidade dos bairros onde a droga se alastra. “Bairros bem desprovidos, as pessoas eram bem pobres mesmo. As casas eram de madeira, a maioria na beira dos rios, sem saneamento básico, sem água, sem as mínimas condições de higiene. Eu entrevistei pessoas de 18 a 35 anos, que já usavam o oxi há algum tempo. Todos, sem exceção, estavam desempregados”. Ou então trabalhavam em bicos, o que pode trazer uma renda de até 2 salários mínimos (600 reais). Dentre os entrevistados, 62,5% tinham filhos, mas só 20% viviam com a família.
Vendido em pedras –que podem ser mais amareladas ou mais brancas, dependendo da quantidade de querosene ou cal virgem, respectivamente– o grande apelo do oxi é justamente o seu preço: enquanto a mescla custa de 5 a 10 reais uma trouxinha que serve 3 cigarros, o oxi é vendido de 2 a 5 reais por 5 pedras. “É uma droga popular, inegavelmente, mas dependendo do período o preço aumenta: se é época de chuva, se a polícia intensifica mais a vigilância”, explica Álvaro. Além dos problemas sociais que claramente empurram esses jovens para o uso da droga, a proximidade com o comércio ilegal também abre as portas. Segundo Rodrigo Correia, muitos dos seus entrevistados trabalhavam ou haviam trabalhado como “mulas”, atravessando a fronteira portando a droga, ou vendedores. “Muitos deles sofrem a influência de amigos que consomem ou estão envolvidos com o tráfico. Mas a maior questão do oxi é que ela é uma droga mais rápida, causa um efeito mais forte, e é a única coisa que vem para eles, eles não têm opção”.
“Fissura”
Essa falta de opção não poderia ser mais fatal. Altamente aditiva, a pedra é consumida em latinhas com furos, como o crack, o que torna a fumaça mais pura e o efeito ainda mais forte. Mas há casos, também, de consumo de oxi, triturado, em cigarros, misturado à maconha ou ao tabaco, e em pó, aspirado. Seja da maneira que for, o consumo é sempre acompanhado de bebida –cachaça, cerveja, ou coisa pior. “Muitos usam junto com álcool, não o álcool de beber, mas o álcool de tampinha azul, como eles chamam, que eles misturam com suco de groselha”. O “álcool da tampinha azul” nada mais é que álcool etílico, desinfetante usado na limpeza de casas.O uso do álcool é quase indispensável, segundo apuraram os pesquisadores da Reard, por causa de uma característica do oxi, a chamada “fissura”. Rodrigo explica o que ouviu dos seus entrevistados: “No começo eles sentem uma sensação de euforia, de ânimo. Depois vem o medo, a mania de perseguição, a paranóia”. A droga só dá “barato” no momento em que está sendo consumida, e cada pedra dura cerca de 15 minutos. Para perpetuar o barato, o álcool serve de alívio entre uma pipada e outra, num ritual que se alonga por mais de 6 horas, geralmente à noite.
Para conseguir mais droga e calar a “fissura”, é comum que os usuários se entregarem a pequenos roubos e à prostituição, o que os torna mais vulneráveis à AIDS e demais doenças sexualmente transmissíveis, ainda mais porque, sem atenção do poder público, o conhecimento sobre sexo seguro é muito pouco entre essa população. “A gente viu na pesquisa que tanto o início do uso da droga quanto início da vida sexual acontece dos 9 aos 14 anos de idade, um dado que alarmou a gente”, conta Álvaro Mendes.
Espectros
Extremamente nocivo ao organismo, o uso do oxi perturba o sistema nervoso central e leva à “paranóia”, ao medo constante. Mas vai além disso: “Eles ficam nervosos, há emagrecimento rápido, ficam com cor amarelada, têm problemas de fígado, dores estomacais, dores de cabeça, náuseas, vômitos, diarréia constante”, conta Álvaro. Trabalhando há mais de 5 anos com redução de danos, ele conta que jamais se chocou tanto quanto ao presenciar o consumo de oxi: “Quando parava de pipar a pedrinha, tragando a fumaça pela boca, ele caía vomitando e defecando, e ficava tendo barato no meio do vômito e das fezes, até se levantar para consumir de novo”. Outro dado alarmante, dessa vez em termos numéricos: cerca 30% dos que foram entrevistados pela equipe da ONG morreram no período de um ano – a grande maioria por efeito da droga, embora alguns também tenham sido mortos por participarem de roubos ou tráfico.Outro motivo que leva ao adoecimento e até à morte é a própria “paranóia”, que os faz evitar procurar ajuda. Rodrigo conta que o chocou o caso de um jovem de 18 anos que tinha pavor de ir ao hospital e se negava a ser medicado, embora tivesse um ferimento exposto. “Toda vez que ele entrava num hospital, se não segurassem, ele fugia. Ele mesmo se medicava. A gente via que ele estava se acabando mesmo. Magro, com aspecto físico terrível, a questão da higiene pessoal não existia mais, parecia um espectro. Aliás, essa é uma maneira de conhecer quem usa a droga há muito tempo, se olhar com cuidado: parece um espectro”.
Usuários “marcados”
Mas o que deveria gerar preocupação e mais cuidado do poder público acaba gerando, pelo contrário, asco e repulsa. Segundo relatam os profissionais que estudaram os efeitos das droga, o preconceito ainda é muito grande. Álvaro conta que muitos agentes de saúde nem mesmo se aproximam dos usuários. “Em uma intervenção que a gente fez, tentado uma aproximação dos agentes de saúde com os usuários, isso ficou muito claro: a gente ficou no meio da rua, de um lado os usuários e do outro os agentes de saúde”. Ele diz também que, por serem as localidades estudadas em cidades do interior, os usuários ficam “marcados”, muitas vezes pelos próprios agentes, que “espalham para a cidade inteira” seu vício.A polícia não age de maneira diferente. O relatório deixa bem claro que, nas cidades fronteiriças, os usuários são muito mais perseguidos e sofrem uma repressão muito maior do que na capital do Acre, Rio Branco. “Em alguns lugares eles não podiam permanecer na rua até certa hora porque a polícia dava toque de recolher. Chegavam e os mandavam embora. Se não fossem, eram presos, o que é um absurdo, porque não se pode impedir ninguém de ficar numa via pública”, denuncia Rodrigo. A equipe relatou a situação às autoridades da cidade de Epitaciolândia, que se prontificaram a dizer que resolveriam a situação, pois apenas alguns membros da força policial tinham esse “hábito”.
“Um compromisso do poder”
Para lidar com uma droga tão danosa, o trabalho de redução de danos é mais que necessário. Mesmo assim, o que o pessoal da Reard encontrou foi um absoluto descaso das autoridades. “Tem que estabelecer um vínculo com eles, conversar sobre os danos que causa esse tipo de droga e os cuidados que eles devem ter quando consomem”, diz Álvaro. Algumas medidas simples, como cuidar da água que consomem, tomar vitamina C, não consumir álcool “de tampinha azul” e cuidar do local onde usam a droga seriam muito positivas e, em alguns casos, poderiam até evitar a “falência total”. Com esse intuito, a Reard tem se reunido com gestores estaduais para elaborar uma política pública específica para os usuários do oxi. Mas, para Álvaro, “falta um compromisso do poder, principalmente o estadual, porque geralmente se a demanda vem de cima para baixo eles aceitam, mas se vem de ONGs não é muito aceita”.No próximo dia 24, a Reard vai se reunir com gestores do estado do Acre, representantes do Ministério da Saúde e gestores se saúde do Peru e da Bolívia. E, para dar continuidade ao trabalho, no próximo semestre a ONG vai encabeçar uma pesquisa específica com os usuários de oxi. “Há muita coisa que a gente ainda não sabe, como qual é a causa biológica das mortes pelo oxi e que outras substâncias são usadas no preparo”, diz Álvaro Mendes.
Natalia Viana
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